Não tenho mais amigos, só tenho cúmplices. Em compensação, seu número aumentou, são o gênero humano. E, do gênero humano, o senhor é o primeiro. O que está presente é sempre o primeiro. Como sei que não tenho amigos? E muito simples: eu o descobri no dia em que pensei em matar-me para lhes pregar uma boa peça, para puni-los, de certa forma. Mas punir quem? Alguns ficariam surpreendidos; ninguém se sentiria castigado. Compreendi que não tinha amigos. Além disso, mesmo se os tivesse, não adiantaria nada. Se pudesse suicidar-me e ver em seguida a cara deles, então, sim, valeria a pena. Mas a terra é obscura, caro amigo, a madeira espessa, opaca a mortalha. Os olhos da alma, sim, sem dúvida, se há uma alma e se é que ela tem olhos! Mas aí está, não se tem certeza, nunca se tem certeza. Senão, haveria uma saída, poderíamos finalmente fazer com que nos levassem a sério. Os homens só se convencem das nossas razões, da nossa sinceridade e da gravidade de nossos sofrimentos com a nossa morte. Enquanto vivos, nosso caso é duvidoso, só temos direito ao seu ceticismo. Se houvesse, então, uma única certeza de podermos gozar o espetáculo, valeria a pena provar-lhes o que eles não querem crer e deixá-los assombrados. Mas uma pessoa se mata, e que importa se eles acreditam ou não? Não estamos presentes para colher os frutos de seu espanto e de sua contrição, aliás efêmera; assistir, enfim, segundo o sonho de cada homem, ao próprio funeral. Para deixar de ser duvidoso é preciso, pura e simplesmente, deixar de ser.
Aliás, não será melhor assim? Sofreríamos demais com a sua indiferença. “Vai pagar-me por isso!”, dizia uma moça ao pai que a impedira de se casar com um pretendente por só andar bem penteado. E ela se matou. Mas o pai não pagou absolutamente nada. Ele adorava pescar. Três domingos depois, voltou ao rio, para se esquecer, segundo dizia. Calculou certo, pois esqueceu. A bem dizer, o inverso é que teria causado surpresa. Julga-se morrer para punir a mulher e devolve-se a ela a liberdade. É preferível nem ver isso. Sem contar que nos arriscaríamos a ouvir as razões que dariam para o nosso gesto.
No que me diz respeito, já consigo ouvi-los: “Matou-se porque não pôde suportar que. . . ” Ah! caro amigo, como os homens são pobres de inventiva! Julgam sempre que nos suicidamos por uma razão. Mas podemos muito bem suicidar-nos por duas razões. Não, isso não lhes entra na cabeça. Para que serve, então, morrer voluntariamente, sacrificar-se à idéia que se quer dar de si mesmo? Uma vez morto, eles se aproveitarão disso para atribuir ao gesto motivos idiotas ou vulgares. Os mártires, caro amigo, têm de escolher entre serem esquecidos, ridicularizados ou usados. Quanto a serem compreendidos ISSO, nunca.
Muito sensatas as palavras, mesmo que não tenha sido você quem as tenha escrito. Suicídio para fazer o outro “pagar” parece ser uma péssima ideia… Só leva ao escândalo momentâneo, ou menos que isso, ao sensacionalismo, que à diferença do escândalo, é logo esquecido… Pra marcar o outro, mesmo, nem matando, porque os 3 segundos que antecedem a morte não são suficientes. Talvez a vida, em seu longo trajeto, aquele se quase se faz esquecer de tããão longo, talvez só a vida faça pagar… Mas aí, o que é que eu tenho com isso? A questão é que sempre quero ter algo a ver com isso. Para sentir que faço a diferença…