Uncategorized

toda a verdade e só a verdade

Ligado à máquina por um emaranhado de cabos, braçadeiras e ventosas, o paciente não sofre, só tem de dizer a verdade, toda a verdade e só a verdade, e, já agora, não crer, ele próprio, na asserção universal que desde o princípio dos tempos nos anda a atroar os ouvidos com a balela de que a vontade tudo pode, aqui está, para não irmos mais longe, um exemplo que flagrantemente o nega, pois essa tua estupenda vontade, por muito que te fies nela, por mais tenaz que se tenha mostrado até hoje, não poderá controlar as crispações dos teus músculos, estancar a sudação inconveniente, impedir a palpitação das pálpebras, disciplinar a respiração. No fim dir-te-ão que mentiste, tu negarás, jurarás que disseste a verdade, toda a verdade e só a verdade, e talvez seja certo, não mentiste, o que acontece é que és uma pessoa nervosa, de vontade forte, sim, mas como uma espécie de trémulo junco que a mínima aragem faz estremecer, tornarão a atar-te à máquina e então será muito pior, perguntar-te-ão se estás vivo e tu, claro está, responderás que sim, mas o teu corpo protestará, desmentir-te-á, o tremor do teu queixo dirá que não, que estás morto, e se calhar tem razão, talvez, antes de ti, o teu corpo saiba já que te vão matar.

Published by rcordioli

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *