Deixe-me formular minha suspeita: a encefalite que tornou Sufiya Zinobia sobrenaturalmente receptiva a toda sorte de coisas que flutua no éter permitiu-lhe absorver, como uma esponja, uma porção de sentimentos não sentidos.
Para onde você imagina que eles vão? Falo de emoções que deveriam ter sido sentidas, mas não foram – como remorso por uma palavra dura, culpa por um crime, embaraço, decoro, vergonha? Imagine a vergonha como um líquido, digamos uma bebida doce gasosa que provoca cáries, armazenada numa máquina de venda automática. Aperte o botão direito e um copo cai debaixo de uma mijada de fluido. Como apertar o botão? Nenhum problema. Contar uma mentira, dormir com um rapaz branco, nascer com o sexo errado. Para fora flui a borbulhante emoção e você bebe sua cota… mas quantos serem humanos se recusam a seguir essas simples instruções! Coisas vergonhosas são praticadas, mentiras, vida dissipada, desrespeito com os mais velhos, deixar de amar sua bandeira nacional, votar incorretamente nas eleições, comer demais, sexo extraconjugal, romances autobiográficos, roubar no jogo de cartas, maltratar mulheres, fracassar nos exames, contrabandear, desistir de seu objetivo no momento crucial de um jogo de campeonato; e essas coisas são feitas sem vergonha. Então o que acontece a toda essa vergonha não sentida? O que acontece com os copos não bebidos de refrigerante? Pense de novo na máquina de vendas. O botão é apertado; mas então aparece uma mão sem vergonha e sacode o copo! Quem apertou o botão não bebe o que foi pedido; e o fluido da vergonha se derrama, se espalha em um lago espumoso pelo chão.
Mas estamos discutindo em abstrato, uma máquina de vendas inteiramente etérea; então para o éter vai a vergonha não sentida do mundo. Daí, eu proponho, ela é sifonada por uns poucos infelizes, zeladores do invisível, suas almas os baldes para os quais esguicha o que foi derramado. Guardamos esses baldes em prateleiras especiais. Nem damos muita importância a eles, embora limpem nossas águas sujas.