– Você leu os Três Mosqueteiros?
– Eu vi o filme. Por quê?
– Porque nele, Porthos, isso se passa na verdade Vinte Anos Depois, Porthos, o grande, o forte, um pouco besta, ele nunca pensou em sua vida, compreende? Então, uma vez ele tem de implantar uma bomba numa adega, para explodí-la. Ele o faz. Ele coloca a bomba, acende-a, e sai correndo, naturalmente. Mas de golpe, ele começa a pensar. Ele pensa no que? Ele se pergunta como ele pode colocar um pé após o outro. Você já deve ter pensado sobre isso, também. E então ele pára de correr. Ele não pode mais, não pode avançar. Tudo explode, a adega cai sobre ele. Ele a segura com seus ombros, ele é forte, mas depois de um dia, ou dois ele cede, e morre. A primeira vez que ele pensa, ele morre.
– Por que me conta essa história?
– Sem razão, só por falar.
– E por que a gente precisa sempre falar? Muitas vezes devíamos nos calar, viver em silêncio. Quanto mais fala-se, menos as palavras significam.
– Talvez, mas como se pode?
– Eu não sei
– Eu acho que não podemos viver sem falar
– Então é isso, eu gostaria de viver sem falar
– Sim, isso seria bom, não? É como se não amássemos mais. Mas não é possível, nunca vai ser
– Mas por quê? As palavras deviam exprimir exatamente o que queremos dizer. Elas nos traem?
– Mas nós as traímos também. Nós devíamos poder dizer o que queremos como já foi feito com a boa escrita. É mesmo extraordinário que um homem como Platão… a gente pode ainda compreender – a gente compreende. Ainda sim ele escreve em Grego, há anos. Ninguém realmente sabe a língua daquela época, ao menos exatamente. Mas ainda sim passa alguma coisa, então nós devemos poder nos expressar. E nós precisamos
– E por que devemos nos exprimir? Para se compreender?
– Nós precisamos pensar, e para pensar, é preciso falar. Não há outro jeito de pensar. E para comunicar, deve-se falar; é a vida
– Sim, mas ao mesmo tempo é muito difícil. Eu acho que a vida devia ser fácil. Você sabe, a sua história dos Três Mosqueteiros pode ser muito boa mas é terrível
– Sim, mas é uma indicação. Eu acredito que aprendemos a falar bem quando renunciamos à vida por algum tempo. É quase… O preço
– Então, falar é mortal?
– Falar é quase uma ressureição em relação à vida. Quando falamos é uma outra vida de quando não falamos
– Então, para viver falando deve-se passar pela morte da vida sem falar. Eu talvez não esteja sendo claro, mas há uma certa regra ascética que te impede de falar bem até olharmos a vida com desapego.
– Mas não se pode viver a vida com… Eu não sei
– com desapego. Sim, mas nós balanceamos, é por isso que devemos passar do silêncio às palavras. Nós balançamos entre os dois porque é o movimento da vida
– Da vida cotidiana nós nos elevamos a uma vida que chamamos de superior. é a vida do pensamento. mas essa vida pressupõe a morte da vida cotidiana
a vida demais elementar.
– Mas então pensar e falar se parecem?
– Eu acredito
– Platão o disse, é uma idéia antiga… Nós não podemos distinguir do pensamento. o que é o pensamento e as palavras que o exprimem. Analisando a consciência, você não consegue separar o momento de pensar das palavras
– Falando, então, a gente arrisca mentir?
– Sim porque mentiras são também parte de nossa busca. Há pouca diferença entre erro e mentira. Não quero dizer mentiras comuns como eu prometo ir amanhã, mas não vou porque não queria. Entende, esses são truques. Mas uma mentira sutil é pouco distante de um erro. A gente procura, e não consegue achar as palavras certas
– É por isso que você não conseguia saber o que ia dizer
– Você tinha medo de não achar a palavra certa. E eu acho que é isso
– Sim, mas como ter certeza de ter encontrado a palavra certa?
– Deve-se trabalhar. É necessário um esforço. Deve-se falar num modo que é certo, não machuque diga o que há para ser dito, faça o que tem de fazer sem machucar, nem ferir
– Sim, um deve tentar ser de boa fé
– Uma vez alguém me disse “A verdade está em tudo, mesmo no erro”
– Isso é verdade. Isso não foi visto na França no séc XVII. Eles achavam que podiam evitar o erro e ainda mais que isso, que podia-se viver na verdade diretamente
– Creio que não seja possível
– Por isso há Kant, Hegel, a filosofia alemã: para nos conduzir à vida e nos fazer ver que devemos passar pelo erro para chegar na verdade
– O que você pensa do amor?
– O corpo tinha de chegar nisto
– Leibnitz introduziu o contingente. Verdades contingentes e verdades necessárias fazem a vida cotidiana. Aos poucos chegamos na filosofia alemã onde… pensamos, na vida, com os erros da vida, com as servitudes da vida. E deve-se lidar com isso, é verdade
– O amor não deve ser a única verdade?
– Mas para isso, o amor deveria ser sempre verdadeiro
– Você conhece alguém que sabe de cara quem ele ama?
– Não é verdade. Quando você tem vinte anos não sabe o que ama. Você sabe migalhas, se agarra só a sua experiência. Você diz “eu amo isso”, é sempre uma mistura. Mas para ser constituido inteiramente daquilo que se ama, é preciso a maturidade. Isso significa buscar. E é essa a verdade da vida
– É por isso que o amor é uma solução, na condição que seja verdadeiro